O Baile de Máscaras

Ninguém é quem parece ser. Espelhos, fantasias e verdades disfarçadas.
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Imagina só a cena: eu, você e mais um monte de gente ao nosso redor. Estamos todos espalhados por um grande salão de um palácio, é um baile real. Uma música quase uníssona tocando de fundo ininterruptamente desde o momento em que esse baile começou.

Estamos na época do Renascimento, remota no tempo, vestidos de gala e pompa. Sobre nossas cabeças, gira um enorme globo de luz metálico que ilumina todo o ambiente. Fora de época, eu sei, mas entra na dança.

Apesar de você ser capaz de visualizar toda essa cena, você sabe que ela não passa de uma ilusão, uma fantasia.

E falando em fantasia, se você olhar ao seu redor, vai perceber que todas as pessoas nesse salão estão usando máscaras. Apesar de algumas máscaras serem exatamente iguais, são completamente diferentes, ainda que seja paradoxal.

Não é possível enxergar o rosto nem da pessoa que está mais próxima de você. Se você reparar, vai perceber que é uma mulher, por conta do cabelo e da bela silhueta que amortece seu vestido azul claro… mas a verdadeira face dela você não enxerga.

E da mesma forma, nem ela e muito menos você conhecem o que está por detrás de suas próprias máscaras. Já que, desde que essa festa começou, essa máscara ainda não saiu nenhuma vez do seu rosto. Quando foi no banheiro, enfrentou o espelho sozinho, e nem aí teve coragem de tirá-la e enxergar sua própria face. Lá fora, no salão, estão todos com seus verdadeiros rostos cobertos. Parece até um pacto social ou uma regra da casa: ninguém tira a máscara! Isso faz com que ninguém saiba quem é quem por de trás da fantasia.

Mas agora que voltou do banheiro, devo admitir que é tudo uma mentira.

Sim, é verdade: é tudo uma mentira!

É uma mentira, ainda que eu diga a verdade. Minha verdade não passa de uma mentira.

É mentira, é verdade!

Não acredita? Eu te provo com uma mentira que o que eu estou te dizendo é verdade.

Olha ali no canto do salão, aquele cara meio esquisito que tá dançando sozinho. Sim, esse aí, você sabe de quem que eu tô falando, é ele mesmo. Não consigo nem contar quantas histórias poderiam ser contadas sobre ele — algumas até seriam mentira — mas como tem muita gente ao nosso redor, prefiro manter a discrição… Ainda que eu goste de uma mentirinha.

Em determinado momento, aquele sujeito percebeu que era diferente dos outros. Claro, ninguém tinha a mesma máscara que ele, ele se sentiu especial naquela festa. Como se sentia especial, se sentiu superior. Mas por que então ele não era definitivamente superior a ninguém? Por que não se sentia superior a ninguém, mesmo que achasse que deveria ser?

Por não conseguir se sentir melhor que ninguém quando achava que deveria ser, passou então a se sentir inferior a todos os outros. A conclusão que chegou foi que os outros sim eram especiais, os outros sim eram superiores. A sua máscara ser diferente de todas as outras era uma prova de que a dele era desprezível e desnecessária para a festa. Por isso ele está ali no canto, sozinho, isolado na sua própria pequenez.

Agora olha pra aquela mulher segurando aquela taça de espumante, não sei se dá pra ver daí de onde você tá. Talvez você não consiga ver porque ela tá lá no fundo, ou melhor, ela tá muito lá na frente…

Se ficar na ponta dos pés, vai perceber que essa mulher não dança e não vai dançar em nenhum momento. Ela tem que manter a classe, ela tem uma postura que deve preservar, um papel que tem que cumprir.

Ela pertence a um grupo que fica ali na frente, e que se sente superior ao grupo de pessoas que ficam no canto. Por esse motivo, é interessante pra esse grupo que essa festa dure o máximo de tempo possível. Logo, eles se comportam como se esse baile durasse pra sempre. Eles precisam mostrar que são superiores, caso contrário não seriam, seriam então obrigados a ficar igual ao esquisito, dançando sozinho no cantinho.

Afinal, tá vendo como tudo não passa de uma mentira?

Porém, ainda que essa festa supostamente dure muito tempo, ela dura apenas o tempo suficiente, às vezes até menos do que deveria. E então, quando o baile acaba, tanto o pessoal da frente quanto o do canto voltam todos pra casa, sem exceção nenhuma. Os guardas são bem flexíveis de maneira geral, mas quando a luz do globo apaga, não sobra um aqui!

Ah, eu tô um pouco cansado, vou tirar minha máscara um pouco. Vai ser rapidinho, só quero tomar um ar, sabe como é?

Você não cansa de ficar com essa mesma máscara do começo ao fim da festa? Eu sinceramente não consigo não. Se decidir me acompanhar e tirar a máscara também, de certo conseguirá ver mais claramente como ela limita sua visão para o salão.

O segredo é respirar fundo e relaxar, simples assim. Dessa vez — também — é verdade.

Melhor assim, não é mesmo?

Agora você percebe que, pra sua surpresa, existe uma ou mais pessoas que também estão sem máscara. Você agora consegue distinguir o que são rostos reais e o que são máscaras, porque finalmente já não cobre sua verdadeira face.

Porém, por bem ou por mal, os guardas também não toleram que alguém fique muito tempo sem máscara. Então essas poucas pessoas escolhem outra máscara pra cobrir seu rosto, mas sempre uma diferente da anterior que já não lhes servia mais.

Portanto, como nenhum de nós está acima das regras, em breve também vamos precisar cobrir nosso rosto. Mas antes disso, observe atentamente as pessoas que estão sem máscara. Ainda que tenham rostos completamente diferentes, são exatamente iguais, ainda que seja paradoxal.

Sim, por trás de nossas máscaras somos todos iguais, ninguém mais, nem menos que ninguém. Talvez a luz do globo, talvez o som de fundo, talvez até mesmo a própria máscara, exista algo que faça com que nos sintamos que somos diferentes dos outros. Mas por dentro, a verdade é que somos iguais. A máscara faz com que hajamos de forma diferente uns dos outros, é ela que nos diferencia nesse baile.

Na sua bolsa, existe uma miríade de máscaras pra você escolher. Elas estão todas prontas para serem vestidas. Escolha uma, troque, escolha outra, troque, até que enfim possa tecer a sua própria máscara, aquela que mais pareça com seu próprio rosto. Mas pra isso, vai precisar ficar com o rosto descoberto com frequência até identificar qual é sua própria face.

Quando colocar sua máscara novamente: dance, grite, beba, pule, fale, caia, beije e foda no banheiro e no salão.

Viva a festa, viva a vida, viva o baile de máscaras.

Enquanto o globo de luz estiver girando, a festa, a mentira continua. Porque quando ele parar de girar e a luz se apagar, volta todo mundo pra casa.

Mas aí já é outra história… Eu até poderia te contar, mas não sei se você iria acreditar em mim, talvez seja só mais só uma mentira.